Nos termos do Decreto n° 2895/2018 as operações interestaduais com “farinha de trigo, mistura de farinha de trigo e produtos derivados da farinha de trigo” a responsabilidade pelo recolhimento do imposto ficou a cargo das empresas amapaenses, na condição de antecipação do ICMS; com percentual de MVA de 100%; diferentemente dos percentuais fixados nos Protocolos ICMS.
Ocorre que, a antecipação prevista no mencionado decreto foi incorporada no ordenamento jurídico do Estado do Amapá, por meio da previsão de Convênio ICMS 190/17, autorizando as unidades federadas aderirem incentivos fiscais de outro estado da mesma região.
No caso do Amapá, aplicação de antecipação do ICMS sobre a farinha de trigo e seus derivados, a norma que serviu de base foi o Decreto n° 4676/2001 do estado do Pará; também tratava de benefícios às indústrias de trigo.
Redação de norma aderida pelo Amapá:
RICMS-PA – DECRETO N° 4.676, de 18.06.2001
Art. 119-C. O estabelecimento que adquirir em operações interestaduais os produtos trigo em grão, farinha de trigo ou mistura de farinha de trigo fica sujeito ao recolhimento antecipado do ICMS correspondente à operação subsequente, a ser efetuada pelo próprio contribuinte.
§ 1º A base de cálculo do imposto para fins de antecipação será a estabelecida nos arts. 108 e 109 deste Anexo.
§ 2º A margem de agregação aplicada às operações com os produtos de que trata o caput deste artigo, para fins de antecipação, será obtida mediante a aplicação do percentual de:
I – 120% (cento e vinte por cento) para o trigo em grão;
II – 100% (cem por cento) para farinha de trigo ou mistura de farinha de trigo.
O Decreto n° 2895/2018 reproduziu o alcance dos benefícios fiscais às empresas amapaense e estabeleceu novas condições de antecipação de ICMS; nos mesmos moldes do Pará, como segue:
Art. 7º O estabelecimento que adquirir, em operações interestaduais, os produtos trigo em grão, farinha de trigo ou mistura de farinha de trigo fica sujeito ao recolhimento antecipado do ICMS correspondente à operação subsequente, a ser efetuada pelo próprio contribuinte, quando da entrada em território amapaense.
§ 1º O imposto a ser recolhido pelo contribuinte, para fins da antecipação definida no caput deste artigo, será calculado mediante aplicação da alíquota vigente para as operações internas sobre o preço final ao consumidor, único ou máximo, fixado pela autoridade competente, deduzindo se, do valor obtido, o imposto destacado no documento fiscal do remetente.
§ 2º A margem de agregação aplicada às operações com os produtos de que trata o caput deste artigo, para fins de antecipação, será obtida mediante a aplicação do percentual de:
I – 120% (cento e vinte por cento) para o trigo em grão;
II – 100% (cem por cento) para farinha de trigo ou mistura de farinha de trigo.
Veja acima, regras idênticas em seus textos, com exceção do parágrafo um. Acontece que o STF, em decisão unanime, julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade, ADI 6.479-PA, para declarar inválidos trechos da norma do Estado do Pará, Decreto n° 4.676/2001; objeto de impugnação pelo procurador-geral da República, à época, Augusto Aras.
Assim, parte dos artigos do RICMS-PA – Decreto n° 4.676/2001, que asseguravam incentivo fiscal de ICMS às indústrias de produtos derivados de farinha de trigo (massas, biscoitos, bolachas, pães), foram todos eles considerados inconstitucionais, consequentemente, tornando inócuo a norma amapaense (Decreto n°2895/2018).
Na decisão a Relatora, ministra CARMEM Lucia destacou: “Embora a redução das desigualdades regionais seja um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a proteção da “indústria local” não é justificativa constitucionalmente legítima para a imposição de tributação diferenciada de bens em serviços em razão de sua procedência ou destino”.
Frisou a ministra: “É firme na jurisprudência deste Supremo Tribunal o entendimento de que os convênios celebrados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária tem natureza autorizativa, e não dispensam a edição de lei para a concessão de benefício fiscal pelo Distrito Federal e pelos Estados”.
No caso do Estado do Amapá, a antecipação do ICMS nas entradas de farinha de trigo e seus derivados tem base nos mesmos elementos discutidos pelo STF, referente a norma paraense; sem lei especifica e regulamentada simplesmente por decreto.
Quanto a legalidade de se aderir determinado incentivo fiscal, o Convênio ICMS 190/2017 é bem claro ao estabelecer critérios de adesão aos benefícios: Cláusula décima terceira Os Estados e o Distrito Federal podem aderir aos benefícios fiscais concedidos ou prorrogados por outra unidade federada da mesma região, na forma das cláusulas nona e décima, “enquanto vigentes”.
Ora, se a condição de aplicar determinado benefício seja sua vigência; então passo a reproduzir voto da relatora-ministra, Cármem Lúcia, contextualizando ao alcance da decisão anulando vários trechos do Regulamento Paraense, ADI 6.479:
Pelo exposto, julgo procedente o pedido para reconhecer a “inconstitucionalidade” dos incs. I e II do caput do art. 118, do art. 119, do caput e dos §§ 1º e 2º do art. 119-A, do caput e dos §§ 1º e 2º do art. 119-C, do art. 119-D, do caput , dos incs. I, II e III do § 1º, dos incs. I e II do § 2º e do § 3º do art. 120, dos arts. 122-A e 123-A do Anexo I do Decreto n. 4.676/2001 do Pará (Regulamento do ICMS), com as alterações dos Decretos ns. 1.522 /2009, 1.551/2009 e 360/2019.
Nesse sentido, não parece sustentável o recolhimento de uma obrigação principal, imposta aos contribuintes amapaenses, antecipação de ICMS, tendo em vista os efeitos de decisão do Supremo Tribunal Federal atinge diretamente às regras do Decreto n° 2895/2018 do Estado do Amapá, razão pela qual a exigência com base em percentual de 100% e 120 % de MVA, não encontra mais previsão semelhante no Decreto n. 4.676/2001- Estado do Pará , julgados inconstitucionais.
Por fim, considerando o Decreto n° 2895/18 não ser a via adequada a exigir antecipação de icms no Amapá; considerando ainda a decretação de inconstitucionalidade de trechos do decreto paraense aderidos pelo Amapá; a antecipação de ICMS exigida nas operações interestaduais com a farinha de trigo e seus derivados deixa de existir, dando lugar ao regime de substituição tributária com percentuais de MVA previsto nos Protocolos ICMS n° 188/09, 114/11 e demais acordos firmados.
Especialmente, o que dispõe o Decreto n° 5097/2017 que trata das normas gerais a serem aplicadas aos produtos submetidos a sistemática da substituição tributária; com percentual original para o trigo fixado em 31%.
Oportuno registrar, eventuais perdas de benefícios fiscais às empresas amapaenses não se pode atribuir a responsabilidade ao Governo do Estado do Amapá, pois estamos diante de uma decisão judicial invalidando dispositivo regulador de benefício fiscal, com efeito extensivo ao estado, portanto, resta ao Governador do Amapá revogar o Decreto n° 2895/2018, pois o que dele sobrou nada se aproveita em matéria de obtenção da benesse fiscal.
Até a próxima.