Recurso de Ofício:
Nº. 003/2017
Processo (s):
Nº. 28730.002971/2012
Procedência:
Macapá – Amapá
Auto de Infração:
Nº. 676/2011
Valor do Crédito:
R$ 426.096,57
Relator:
Eduardo Corrêa Tavares
Data do Julgamento
23/03/2017
EMENTA JUPAF: ICMS. Auto de Infração. Simples Nacional. Fiscalização em profundidade. Aplicação da Lei Estadual nº 400/97. Contrariedade à Lei Complementar nº 123/06 e CGSN nº 30. Ação Fiscal Nula.
VOTO DE VISTAS
Trata-se de Auto de Infração nº 676/2011,resultante de fiscalização em profundidade promovida pelo Núcleo de Fiscalização de Estabelecimentos – NUFES/COFIS/SEFAZ, em decorrência em decorrência de omissão de saídas de mercadorias tributáveis, caracterizada pela falta de registro de documento fiscal em livro próprio, sujeitando-se à penalidade prevista no art. 161, VII, da Lei nº 400/97.
A recorrente foi cientificada no dia 13/01/2012 e, em sua impugnação, alegou,em síntese:
– prazo máximo de fiscalização de 120 dias extrapolado;
– necessidade de apuração diferenciada para optantes do Simples Nacional;
A análise da 1a instância resultou na Decisão JUPAF nº 108/2016, que considerou nula a ação fiscal, por conta de aspectos formais: às omissões de saída apuradas, as autoridades fiscais aplicaram a legislação geral do ICMS (CT/AP e RICMS) para o lançamento, no lugar da Lei Complementar nº 123/2006 (lei específica do Simples Nacional):
 Art. 35. Aplicam-se aos impostos e contribuições devidos pela microempresa e pela empresa de pequeno porte, inscritas no Simples Nacional, as normas relativas aos juros e multa de mora e de ofício previstas para o imposto de renda, inclusive, quando for o caso, em relação ao ICMS e ao ISS.
Concluiu ainda pela possibilidade de novo lançamento, condicionado à observância dos prazos legais, com interposição de recurso de ofício para reexame necessário.
A PGE, através de sua Procuradoria para Assuntos Fiscais, entendeu que a JUPAF considerou a ação fiscal nula por vício formal (capitulação), mas se manifestou pela reforma da decisão. Considerou que a omissão de saídas autoriza o Fisco a afastar o tratamento favorecido do Simples Nacional, com fulcro no art. 13, §1o, XIII, “e” e “f” da LC nº 123/06, entendendo pela procedência da ação fiscal:
Art. 13.  O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
§ 1o  O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:
(…)
 XIII – ICMS devido:
(…)
 e) na aquisição ou manutenção em estoque de mercadoria desacobertada de documento fiscal;
 f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal
Com as divergências levantadas durante os debates, solicitaram-se vistas para apresentação do presente voto.
Preliminarmente, o transcurso de mais de 120 dias para a conclusão do procedimento fiscal, ao contrário do alegado pela recorrente, é permitido pelo ordenamento vigente e não invalida o mandado de procedimento fiscal.
Ao estabelecer normas gerais, o CTN, no art. 196, exige a lavratura de termo que documente o início dos trabalhos, sem fixar prazo máximo. O CT/AP corrobora a sistemática, exigindo termos para formalizar o início e o fim dos procedimentos, no art. 147, § 3º, remetendo ao regulamento (no caso, o RICMS), a disposição das especificidades.
Na esfera federal, por exemplo, os prazos previstos variam de 90 a 120 dias, com previsão expressa de prorrogação, sem restrição quanto à quantidade. Discussões desta natureza justificaram a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que inseriu no art. 5º o inciso LXXVIII, para garantir “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
O mandado de procedimento fiscal é a designação da autoridade fiscal que realizará as atividades, identificando o agente responsável, conforme prevê o art, 452 do RICMS.
Para elucidar a discussão sobre a viabilidade de prorrogação e validade da designação é preciso distinguir o procedimento fiscalizatório do contencioso administrativo tributário propriamente dito.
O termo de início de fiscalização inicia o procedimento de fiscalização, composto por uma série de atividades que buscam analisar toda a documentação e elementos fáticos relacionados ao fato gerador do tributo, e confirmar a observância do sujeito passivo das obrigações tributárias principais e acessórias. Conclui-se com o termo de encerramento, acompanhado, neste caso, do lançamento de ofício do crédito tributário, através do Auto de Infração nº 522/2001. A matéria é tratada no art. 142 do CTN:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Com a ciência do lançamento de ofício e encerramento da fiscalização, o contribuinte possui 03 (três) opções: realizar o pagamento (extinguindo o crédito); impugnar (iniciando o contencioso administrativo); ou permanecer inerte (com a constituição definitiva do crédito e o início da cobrança administrativa). Dentre as 03 (três) hipóteses, a lide administrativa, na qual é preciso garantir o contraditório e ampla defesa, ocorre através do contencioso administrativo tributário (processo).

Durante o procedimento, há direitos distintos, como garantir ao contribuinte prazo suficiente para apresentação da documentação e esclarecimentos, direito de ser cientificado dos atos e de conhecimento da identidade da autoridade fiscal que irá desenvolver os trabalhos. Enfim, é possível afirmar que antes do lançamento não há contraditório.

A alegação, portanto, de que o esgotamento do prazo de 120 dias da designação tornaria a autoridade “desautorizada” para concluir o procedimento fiscal não procede. Tampouco a prorrogação caracteriza cerceamento de defesa, ou impede a continuidade das atividades de fiscalização.
A natureza do MPF é de instrumento de controle e planejamento para o Fisco, servindo para o contribuinte apenas para garantir a identificação do agente público que desempenhará a função de autoridade fiscal. Sua prorrogação é permitida e não justifica a anulação do lançamento, conforme já pacificado no âmbito administrativo e judicial:
MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL – O Mandado de Procedimento Fiscal representa mero instrumento de controle interno da Administração Tributária, e, em razão disso, eventuais irregularidades que se possa identificar na sua emissão ou prorrogação não podem dar causa a nulidade do feito fiscal. (Ministério da Fazenda, Conselho de Contribuintes, Acórdão 105-16918, 16/04/2008)
(…) PROCEDIMENTO FISCAL. POSSIBILIDADE DE SUA CONTINUAÇAO. ABUSO DE PODER. AUSÊNCIA. IMPROVIMENTO. (…) 2. O art. 7º, 2º do Decreto 70.235/72, permite a continuidade sucessiva da fiscalização, levada a cabo pela Administração Tributária, contanto que indicado o respectivo fundamento legal, não havendo que se cogitar de abuso de poder ou maltrato a princípios constitucionais da Administração Pública.3. Apelo improvido.(Justiça Federal, TRF5, Apelação em MS78732-CE, 13/11/03).
Por todo o exposto, resta afastada a preliminar apresentada.
Quanto à capitulação do lançamento de ofício, ponto central da presente discussão, há diversidade de jurisprudências (não raro antagônicas), especialmente nos primeiros anos de aplicação da LC nº 123/06. Vezes decidindo pela necessidade de exclusão prévia do regime para aplicação da regra geral, vezes confirmando a possibilidade, posição adotada pelas autoridades fiscais no presente caso: 
APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Mandado de segurança Exclusão da apelante do regime tributário do Simples Nacional, em razão de irregularidades consistentes em reiterada omissão de receita, constatada pelo confronto do resumo da receita bruta do contribuinte com os extratos de cartões de crédito apresentados pelas operadoras Admissibilidade – Feição declaratória da decisão administrativa de exclusão e seus efeitos retroativos Sentença que concedeu a ordem impetrada reformada. RECURSO VOLUNTÁRIO E REEXAME NECESSÁRIO PROVIDOS. São retroativos os efeitos da decisão administrativa de exclusão do sistema do “simples nacional”, por não satisfação dos pressupostos legais ao regime especial, ante as irregularidades constatadas e consistentes em reiterada omissão de receita, constatada pelo confronto do resumo da receita bruta do contribuinte com os extratos de cartões de crédito apresentados pelas operadoras.
TRIBUTÁRIO. RECOLHIMENTO DE ICMS. LEI COMPLEMENTAR Nº 123⁄06. ESTATUTO NACIONAL DA MICROEMPRESA. EVENTUAIS OMISSÕES DE RECEITA (OU ENTREGA DE DOCUMENTO INSUFICIENTE) SUJEITAR-SE-ÃO À INCIDÊNCIA DAS ALÍQUOTAS POSTAS NO ANEXO I, DA LC Nº 123⁄06. ALÍQUOTA MÁXIMA DE 3,95%. NÃO PODE O ENTE ESTATAL DESCONSIDERAR O REGIME DIFERENCIADO DA EMPRESA.. (…) A Lei Complementar nº 123⁄06 determina que, nas hipóteses de omissão de receita, aplica-se a maior alíquota prevista na legislação em comento, com fulcro § 2º, artigo 39, da mencionada LC. Assim, não poderia ter o Estado apelante desconsiderado o regime diferenciado da empresa recorrente, vez que os dispositivos legais da Resolução nº 94⁄2001 e da Lei Complementar nº 123⁄06 expressam que as eventuais omissões de receitas serão tributadas na forma do Simples Nacional. Outrossim, não poderia o ente estatal apelante ter aplicado a alíquota de 17% sobre os valores supostamente recolhidos a menor, sendo que deveria ter sido aplicada a alíquota máxima prevista pelo Anexo I, da Lei Complementar nº 123⁄06, qual seja a de 3,95%.
TJ-SP – APL 00830349420118260224 SP, DOE 29/05/2014
TJ-ES –  APL 00387018120088080024, DOE 27/10/2015
Entretanto, é preciso considerar que há entendimentos que vem se consolidando, como a distinção entre o ato administrativo de exclusão – em relação ao qual é preciso cientificar o contribuinte para garantia do direito ao contraditório e ampla defesa – do lançamento de ofício (materializado pelo auto de infração).
Analisando o caso concreto, o contribuinte não extrapolou os limites de faturamento para enquadramento, tampouco houve sua exclusão do regime pelo Fisco (de forma prévia ou concomitante com o encerramento da fiscalização, ainda que por outros fatores, como a reiterada omissão de saídas).
Cabe ressaltar, no contexto, o entendimento preponderante do Poder Judiciário a respeito do ato de exclusão:
TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DA EMPRESA DO SIMPLES. AUSÊNCIA DE PRÉVIA OPORTUNIDADE PARA DEFESA. NULIDADE DO ATO DECLARATÓRIO EXECUTIVO. (…). 1. A oportunidade para o contribuinte se manifestar acerca do não preenchimento dos requisitos para participação do SIMPLES deve ocorrer antes do Ato Declaratório Executivo-ADE de exclusão, já que se trata de restrição de direito, que deve obedecer ao prévio devido processo legal. 2. O recurso administrativo contra o ato de exclusão do SIMPLES possui efeito suspensivo, somente produzindo seus efeitos a partir da decisão definitiva na esfera administrativa. Se esta ainda não foi proferida, não pode o ADE ser aplicado de imediato.  (…) (TRF-5 – AC 361411 PE 0025917-35.2004.4.05.8300, 22/06/2009).
(…)SIMPLES. EXCLUSÃO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. 1. A ausência de notificação acerca do ato de exclusão do SIMPLES constitui ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. (TRF-3 – AMS 24402 SP 2002.61.00.024402-6, 12/11/2010)
 (…) EXCLUSÃO NO SIMPLES NACIONAL – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO – DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO – ILEGALIDADE – VIOLAÇÃO AO DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SENTENÇA RATIFICADA. O ato de exclusão, de ofício, da empresa optante do Simples Nacional deve ser precedido da regular notificação e do respectivo devido processo legal, sob pena de ofender os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e ao contraditório. (TJ-MT. ReeNec 68432/2015, DES. MÁRCIO VIDAL, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 01/12/2015, Publicado no DJE 08/12/2015)
Assim, inexistindo ato formal de exclusão do regime (ainda que de forma concomitante, como amplamente aceito pelo TJ/SP, por exemplo), o entendimento com maior sustentação, principalmente de acordo com a posição dos Tribunais Superiores, é no sentido de lançamento do tributo sob a ótica do regime especial: a apuração da exação devida com base no art. 18 da LC nº 123/06, aplicando a alíquota do Simples Nacional, para extrair a parcela do ICMS para o lançamento de ofício.
O Fisco Estadual, então, deve extrair o ICMS do montante do Simples Nacional, tendo como norte as regras de cálculo previstas na LC nº 123/06, e não as regras previstas para o regime de apuração normal, na forma do art. 35:
Art. 35. Aplicam-se aos impostos e contribuições devidos pela microempresa e pela empresa de pequeno porte, inscritas no Simples Nacional, as normas relativas aos juros e multa de mora e de ofício previstas para o imposto de renda, inclusive, quando for o caso, em relação ao ICMS e ao ISS.
Ou seja, a legislação específica sujeita as ME e EPP às penalidades previstas na Lei nº 9.430/96 (IR), inclusive para lançamentos relacionados ao ICMS, o que deve ser observado pela autoridade fiscal quando da lavratura do auto de infração. Tal orientação já foi adotada no âmbito do CERF:
ICMS. SIMPLES NACIONAL. AUTO DE INFRAÇÃO. 1) LANÇAMENTO DE OFÍCIO ANTES DA EXCLUSÃO DO SIMPLES. POSSIBILIDADE. (…) 4) PENALIDADE. PERCENTUAL. CABIMENTO. 1) A exclusão do regime do Simples Nacional não é condicionante para o lançamento de ofício pelo Fisco Estadual, conforme dispõe o art. 33 da LC nº 123/06. (…). 4) A comprovação da conduta dolosa do contribuinte enseja a aplicação da penalidade de 150% prevista no art. 44, I, c/c §1º, Lei nº 9.430/96 (IR), com base no art. 35 da LC nº 123/06. (CERF,  Recurso Voluntário nº 015/2015, Processo nº 28730.018810/2013, 06/10/2015).
Assim, por todo o exposto e por tudo que dos autos consta, voto pelo conhecimento do recurso de ofício, rejeitar as preliminares, e negar-lhe provimento, para manter a Decisão de n.º 108/2016-JUPAF, julgando a ação fiscal nula por vício formal (art. 173, II, CTN), devendo-se realizar novo lançamento com a capitulação adequada (LC nº 123/06), com os respectivos reflexos no cálculo do lançamento de ofício, inclusive quanto às penalidades.
É o voto.
Sala de seções do Conselho Estadual de Recursos Fiscais em 23/03/2017.