Recurso de Ofício Nº: 001/2015
Processo Nº: 28730.025182/2011
Procedência: Macapá – Amapá
Notificação de Lançamento Nº: 2011010905
Valor do Crédito: R$ 203.492,09
Recorrida: Fazenda Pública Estadual
Relator: Luiz Vanderlei de Almeida Costa
Data do Julgamento: 10/03/2015
EMENTA: ICMS – Notificação de Lançamento. Diferencial de Alíquota. Transferência de bens entre estabelecimentos de mesma titularidade.   
 R E L A T Ó R I O
Trata-se de Recurso de Ofício embasado no § 1° do art. 206 da Lei n° 0400/97 – Código Tributário do Estado do Amapá – CTE/AP, em que a Junta de Julgamento do Processo Administrativo Fiscal – JUPAF julgando a impugnação apresentada pela autuada, decidiu pela Improcedência do lançamento do crédito tributário, conforme Decisão n° 0164/2012 – JUPAF (fls. 92 a 94).
O crédito tributário foi formalizado através da Notificação de Lançamento (NL) n° 2011010905, no valor de R$ 203.492,09 (Duzentos e três mil quatrocentos e noventa e dois reais e nove centavos), por falta de recolhimento do ICMS – Diferencial de Alíquota, no prazo regulamentar, no mês de fevereiro de 2009.
A Notificada teria infringido o art. 44 combinado com o art. 161, inciso I, alínea “a” da Lei nº 0400/97 – CTE/AP. O contribuinte foi notificado a recolher ou impugnar o lançamento do crédito tributário na forma estabelecida no art. 187 da Lei nº 0400/97 – CTE/AP. O Lançamento foi formalizado pela Coordenadoria de Arrecadação – COARE e, a ciência do sujeito passivo, do lançamento de ofício, deu-se através de via postal com aviso de recebimento – AR, em 22/11/2011 (fls. 03).
O Contribuinte inconformado com a lavratura da Notificação de Lançamento apresentou tempestivamente em 21 de dezembro de 2011 impugnação (fls. 06 a 35), alegando, em síntese, o seguinte:
  • Que, importou da Finlândia partes e peças de reposição de um gerador de gás, desembaraçados na alfândega de Manaus, Declaração de Importação – DI nº 09/0012611-0, no valor de R$ 2.146.357,37, destinadas ao estabelecimento da Eletronorte no Estado do Amazonas, e estes bens foram transferidos para o estabelecimento da mesma empresa em Macapá, no Estado do Amapá, através da NFA nº AA 245109. E, no momento da entrada dos bens no Amapá foi exigido o recolhimento de Diferencial de Alíquota – DIFAL do ICMS, no valor de R$ 107.317,87, com vencimento em 10/03/2009, que, acrescido de correção monetária, juros e multas, perfaz atualmente o montante de R$ 203.492,09, conforme a Notificação ora impugnada;
  • Que, a transferência de bens, no sentido de movimentação, circulação, porém sem a efetiva transferência da titularidade, não configura fato gerador do ICMS. Desse modo, é indevida a cobrança do tributo por parte do Fisco Estadual;
  • Por fim, pede:
    • A improcedência da exigência fiscal, determinando-se o cancelamento da Notificação de Lançamento e a baixa do crédito tributário.
O processo foi remetido à JUPAF, que em Decisão de nº 164/2012, segundo entendimento do nobre relator, bem como da JUPAF, concluiu, julgando a Ação Fiscal improcedente. E, em razão do valor, cabe “Recurso de Ofício”.
O contribuinte foi intimado a tomar conhecimento da Decisão da JUPAF e deu ciência em 04 de novembro de 2013 (fls. 95).
Remetidos os autos em 19 de maio de 2014 à Procuradoria para Assuntos Fiscais, que tomou conhecimento da matéria discutida no processo, emitindo Parecer nº 24/2014 (fls. 102 a 117), e, ao concluir, em síntese, discorreu, “Que feita a análise do processo administrativo identificado em epígrafe, com fundamento em tudo que foi exposto, opinamos, que a ação fiscal seja julgada improcedente com a manutenção da decisão de primeira instância em todos os seus termos”.
Retornam os autos a este Conselho Estadual de Recursos Fiscais, para reexame do caso, nesta instância superior.
É o relatório.
PARECER E VOTO
Os autos estão devidamente instruídos. Na tramitação do processo foi identificada a supressão de instância administrativa, uma vez, que a peça impugnatória deveria ser tramitada à JUPAF, órgão de primeira instância administrativa, contudo, foi encaminhado equivocadamente à COTRI e a outros setores da SEFAZ/AP. Corrigido o erro, o processo tomou seu curso natural e foram assegurados todos os direitos, concernentes a prazos, à recorrente, dessa forma, a mesma gozou do mais amplo direito do contraditório e da ampla defesa.
Trata-se da exigência do recolhimento do ICMS Diferencial de Alíquota – DIFAL, da transferência de bens entre estabelecimentos do mesma titular, no momento da entrada dos bens no Estado do Amapá, porém, sem a efetiva transferência da titularidade.
Antes de adentrar no cerne da questão, farei algumas considerações que julgo necessárias para clarificar o tema.
O Diferencial de Alíquota nada mais é do que uma regra de tributação onde o destinatário apura em benefício de seu Estado o ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interestadual e a interna, quando das aquisições de mercadorias, bens ou serviços oriundos de outros Estados e destinados ao seu uso, consumo, integração ao Ativo Permanente ou que não estejam vinculados a uma saída subsequente tributada.
O principal objetivo da sistemática do recolhimento do diferencial de alíquotas é equiparar as aquisições efetivadas fora do Estado às aquisições internas, no que se refere à carga tributária, de certa forma o objetivo é proteger o mercado interno em relação ao externo.
Outro objetivo a se destacar, é que o mecanismo do diferencial de alíquota foi instituído no Sistema Tributário Brasileiro com a finalidade de possibilitar a repartição das receitas do ICMS entre Estados desenvolvidos/produtores e Estados subdesenvolvidos/consumidores. Na prática, observa-se essa diferenciação:
  • Quando os Estados desenvolvidos/produtores vendem mercadorias a Estados subdesenvolvidos/consumidores a alíquota interestadual a ser aplicada é de 7%; e
  • Quando os Estados subdesenvolvidos/consumidores vendem mercadorias a Estados desenvolvidos/produtores, a alíquota interestadual a ser aplicada é de 12%.
Então, na aquisição de mercadorias sujeitas a esta modalidade de tributação, em que o adquirente esteja localizado num estado subdesenvolvidos/consumidores, o ICMS será exigido da seguinte forma: 7% ao Estado desenvolvidos/produtores (vendedor) e 10% ao Estado subdesenvolvidos/consumidores (comprador), isso se considerarmos que a alíquota interna do comprador é de 17%.
Feito as considerações, passarei a analisar as alegações no mérito.
O ordenamento tributário do Estado do Amapá prevê as hipóteses de incidência do ICMS Diferencial de Alíquota, exigido na Notificação de Lançamento nº 2011010905.
A Lei nº 040/97 – CTE/AP, em seu art. 7º, I, prevê:
Art. 7º. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento em que se verificar a hipótese de:
I – entrada, no estabelecimento do contribuinte, de mercadoria oriunda de outra Unidade da Federação, destinada a uso, consumo ou ativo fixo;
O Decreto nº 2.269/98 – RICMS/AP, em seu art. 2º, I, discorre:
Art. 2º Ocorre o fato gerador do Imposto:
I – entrada, no estabelecimento do contribuinte, de mercadoria oriunda de outra Unidade da Federação, destinada a uso, consumo ou ativo fixo;
A primeira vista, fica evidente que é legal a exigência de ICMS Diferencial de Alíquota na operação comercial realizada, todavia, se adentramos nos detalhes da mesma, nos defrontamos com dúvidas que carecem de esclarecimentos.
A recorrente alega que é indevida a cobrança do tributo, porque houve a circulação, porém sem a efetiva transferência da titularidade.
Nesse aspecto, a JUPAF ao analisar a impugnação, em sede de primeira instância, foi muito feliz em estabelecer a diferenciação entre mercadoria e bem. Esse esclarecimento é de vital importância na busca da compreensão e definição do questionamento:
Analisando a documentação acostada ao processo e compulsando a legislação vigente a respeito da matéria, constata-se que o cerne da questão está no termo mercadoria (por isso a grifamos no texto legais acima).
A recorrente efetuou a transferência de bens de seu estabelecimento no Estado do Amazonas para outro estabelecimento, também seu, no Estado do Amapá. Ressalte-se que foram bens e não mercadoria.
(…)
Portanto, a exigência de mercancia, comercialização é imprescindível para a ocorrência do fato gerador. Não basta, simplesmente, o deslocamento físico, a incidência de ICMS exige a transferência de titularidade.
Pois bem, nos dispositivos legais citados anteriormente, o legislador utiliza o termo “mercadoria” e não “bem”. A utilização do termo não é aleatória, existe uma razão importante, segundo a gramática, mercadoria, é aquilo que é objeto de comércio; bem econômico destinado à venda; bem comerciável; mercancia. Bem, é propriedade de alguém; possessão; propriedade; domínio; produto destinado diretamente ao consumo pela população.
Logo, verifica-se, que a recorrente realizou operação fora do campo de incidência do ICMS Diferencial de Alíquota, uma vez que, na operação comercial realizada ocorreram duas situações que descaracterizam a ocorrência do fato gerador:
  • a circulação foi de um “bem” e não de uma “mercadoria”;
  • a transferência do “bem” foi entre estabelecimentos do mesma titular.
Portanto, a exigência da comercialização (circulação, mercancia) de mercadorias é imprescindível para a ocorrência do fato gerador, assim como a exigência da transferência de titularidade da mercadoria, também o é, não sendo suficiente para ocorrência do fato gerador, o simples deslocamento físico da mercadoria.
O Decreto nº 2.269/98 – RICMS/AP, em seu art. 3º, § 2º, XI, disciplina:
Art. 3º O imposto não incide sobre:
  • 2º O imposto não incide também sobre:
XI – a saída de material de uso, consumo, e bens do ativo permanente de um estabelecimento para outro do mesmo titular, inclusive a execução do serviço de transporte, desde que efetuado pelo próprio contribuinte;
O Superior Tribunal de Justiça – STJ editou a Súmula 166:
Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.
Em decisão mais recente, o mesmo tribunal publicou o seguinte Acórdão:
RECURSO ESPECIAL Nº 772.891 – RJ (2005/0132562-0)
(…)
  1. A jurisprudência cristalizada no âmbito do STJ é no sentido de que “não constitui fato gerador de ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte” (Súmula 166), restando assente, em diversos julgados, a irrelevância dos estabelecimentos situarem-se em Estados distintos (Precedentes do STJ: AgRg no REsp 601140/MG, Primeira Turma, publicado no DJ de 10.04.2006; REsp 659569/RS, Segunda Turma, publicado no DJ de 09.05.2005; AgRg no Ag 287132/MG, Primeira Turma, publicado no DJ de 18.12.2000; e REsp 121738/RJ, Primeira Turma, publicado no DJ de 01.09.1997).
  2. In casu, os autos retratam hipótese de transferência interestadual de bens do ativo fixo e de materiais de uso e consumo da filial da empresa, situada no Estado do Rio de Janeiro, para sua sede localizada na Zona Franca de Manaus (saída da filial e entrada na matriz), fato que refoge à regra-matriz de incidência do ICMS, razão pela qual não merece prosperar a pretensão recursal fazendária, no particular.
Corroborando o anteriormente exposto, os estados, sistematicamente vêm decidindo pela não incidência do ICMS, nas operações em que o contribuinte recebe bens do Ativo Permanente em transferência interestadual de empresa pertencente ao mesmo titular. Nesse sentido, o Estado de São Paulo respondeu da seguinte forma, quando Consultado:
Resposta à Consulta Tributária nº 307/2006, de 02 de junho de 2006.
ICMS – Bens destinados ao ativo permanente – Recebimento em transferência interestadual – Inexigibilidade de imposto referente ao diferencial de alíquota.
(…)
  1. Em resposta à indagação formulada, informamos que não é cabível o recolhimento de diferencial de alíquota relativamente ao recebimento em transferências interestaduais, de bens do ativo permanente, entre estabelecimentos do mesmo titular. Não cabe, portanto, qualquer recolhimento a favor do Estado de São Paulo.
Assim, a recorrente ao comprovar que o Fisco equivocou-se ao exigir ICMS Diferencial de Alíquota indevidamente, assiste-lhe direito na reclamação, por isso, a solicitação de improcedência da exigência fiscal será acatada.
Em que pese o Recurso Voluntário ter sido analisado, o mesmo não será objeto de manifestação no Voto, em virtude de sua existência na instrução do presente processo ser desnecessária, haja vista, que a Decisão de Primeira Instância foi favorável à recorrente, portanto, seria ilógico a mesma recorrer de uma decisão que lhe foi cem por cento favorável. Tal situação só ocorreu em razão da tramitação equivocada do processo nos setores internos da SEFAZ/AP, já anteriormente mencionada.
Pelo anteriormente exposto e por tudo que nos autos consta, voto pelo conhecimento do Recurso de Ofício, para no mérito negar-lhe provimento, quanto à materialidade, manter a Decisão de n° 164/2012 – JUPAF. Determinar o arquivamento da Notificação de Lançamento nº 2011010905, pela falta de ocorrência do fato gerador do ICMS prevista no art. 7º, I da Lei nº 0400/97 – CTE/AP, c/c o art. 2º, I do Decreto 2.269/98 – RICMS/AP.
É o voto que expresso à Egrégia Corte do Conselho de Recursos Fiscais.
Sala de seções do Conselho Estadual de Recursos Fiscais em 10/03/2015.
Luiz Vanderlei de Almeida Costa
Conselheiro Relator – CERF/AP