R E L A T Ó R I O
Trata-se de Recurso Voluntário nos termos do art. 205, da Lei n° 0400/1997, contra Decisão nº 055/2017-JUPAF (fls. 86/94) proferida por aquele órgão julgador de primeira instância, que julgou procedente a exigência fiscal, pelo voto de qualidade do presidente da JUPAF.
Informa o libelo fiscal que o lançamento decorreu da apreensão de mercadorias pela fiscalização de barreira, por considerar as notas fiscais de compras inidôneas (fls. 01/07), em face da empresa adquirente estar com inscrição suspensa na época dos fatos, conforme disposto no inciso III, do § 1º, do art. 179, do RICMS-AP:
§ 1º – Será considerado inidôneo, para todos os efeitos fiscais, fazendo prova apenas em favor do Fisco, o documento que:
(…)
III – não observar as exigências ou requisitos previstos neste Regulamento. (Grifei).
Em vista disso, a fiscalização exigiu o tributo integral aplicando a alíquota de 17% direto sobre o valor total de cada nota fiscal. Em seguida, aplicou multa de 100%, na forma do art. 161, inciso VIII da Lei nº 400/97:
Art. 161. (…)
(…)
VIII – Entregar, remeter, transportar, receber, estocar ou depositar mercadoria desacompanhada de documentação fiscal ou com documento fiscal inidôneo:
Multa – 100 % (cem por cento) do valor do imposto aplicável ao contribuinte que tenha promovido a entrega, remessa, recebimento, estocagem ou depósito da mercadoria; 50 % (cinquenta por cento) do valor do imposto apurado ao transportador, quando o transporte for realizado por terceiro. (alterada pela Lei nº 0775, de 30.09.2003)
Informa ainda o libelo fiscal que, foi aplicada multa de reincidência acrescida de 50%, prevista no art. 161, § 5º Lei 400/97:
Art. 161
(…)
§ 5º Em caso de reincidência específica, a multa será aumentada em 50% (cinquenta por cento) do seu valor, considerando-se reincidência específica a repetição da infração capitulada no mesmo dispositivo legal, pela mesma pessoa, dentro de 2 (dois) anos contados da data em que a imposição da multa anterior tornou-se definitiva, no âmbito administrativo, desde que não tenha havido impugnação do lançamento perante o judiciário. (Grifei).
O contribuinte apresentou, tempestivamente, impugnação contra o lançamento que, após apreciação e análise, a JUPAF proferiu a seguinte decisão:
Diante do exposto, conheço a impugnação em razão da sua tempestividade, para decidir a AÇÃO FISCAL PROCEDENTE, por decisão da maioria, sendo que três membros votaram pela procedência e três votaram pela procedência parcial, inclusive este membro relator prevalecendo o voto de qualidade do Presidente, conforme Regimento Interno deste colegiado.
Oportuno esclarecer que o Relator de primeira instância (José Alberto Araújo de Oliveira) votou pelo pela “procedência parcial da ação fiscal”, arguindo que a exigência do imposto, neste caso, deveria ser do ICMS-DIFAL, considerando que as mercadorias tributadas eram destinadas a uso e consumo da empresa, que tem como atividade a construção civil. Contudo, pelo voto de qualidade do presidente da JUPAF, a ação foi considerada integralmente procedente.
Inconformada com a Decisão nº 055/2017-JUPAF, o contribuinte apresentou recurso voluntário, tempestivo, a este E. Conselho, onde apresenta, basicamente, os mesmos argumentos da impugnação inicial, com pequenas variações, que podemos resumir no seguinte:
– da impossibilidade de cobrança do imposto pelo estado do destino, em razão de não ser contribuinte do imposto (empresa de construção civil), citando a Súmula 432 do STJ;
– argui a nulidade do lançamento pela impossibilidade da cobrança do imposto em razão da suspensão da inscrição estadual (ausência de fato gerador). Neste item, argumenta que a suspensão de inscrição não é fato gerador do ICMS, no sentido material conforme previsto no art. 2º do RICMS;
– alega a impossibilidade da cobrança do imposto em razão da empresa estar ao abrigo do Convênio 52/92, que trata da isenção do ICMS nas remessas de mercadorias para ALCMS, e, por isso, não pode ser exigido o imposto pelo fisco amapaense;
– reage contra, o que chama de “abusividade da penalidade aplicada”, arguindo que a aplicação da multa de 150% (100%, mais 50% por reincidência) é exorbitante e desproporcional, inclusive citando decisão do STF que trata de caso de multa consideradas confiscatórias (ADIN 551-1/RJ).
Ao final, o contribuinte pede a nulidade do lançamento ou a mitigação da multa, requerendo ainda a realização de diligência ou perícia, para “uma adequada apuração e explicitação dos fatos” relativos ao presente libelo fiscal.
Os autos foram remetidos à Procuradoria para Assuntos Fiscais – PGE, que tomou conhecimento da matéria discutida nos autos, mas, em face do valor do crédito lançado ser inferior a 30.000 UPF/AP, reservou-se ao direito de proferir sua opinião de forma oral, no curso do julgamento.
Os autos retornaram a este Conselho Estadual de Recursos Fiscais, para reexame do caso, nesta instância superior.
É o que importa relatar.
PARECER E VOTO
De antemão verifico que o contribuinte tomou ciência da Decisão nº 055/2017 em 01/09/2017, mediante A.R. (fl. 95) e teria então até o dia 03/10/2017 para interpor seu recurso. Verifico também que, embora o processamento do recurso tenha ocorrido apenas no dia 11/10/2017, consta expressamente no recibo do protocolo (fl. 100) que o documento foi entregue no protocolo da SEFAZ em 02/10/2017, e por isso, considero o recurso tempestivo, uma vez que a Fazenda recebeu o documento dentro do prazo recursal, previsto no art. 205 da Lei nº 400/97, mesmo que tenha realizado o processamento fora do prazo.
O processo teve a sua tramitação normal, e o contribuinte gozou do mais amplo direito de defesa e ao contraditório.
Trata-se de recurso voluntário (fls. 101/145) interposto pelo contribuinte, em face a Decisão nº 055/2017-JUPAF, que julgou o lançamento procedente, com o voto de qualidade do presidente João Bittencourt da Silva.
Devo registrar que, os julgadores de primeira instância ficaram divididos. De um lado o ilustre Relator José Alberto Araújo de Oliveira, acompanhado dos votos dos julgadores Gilson Carlos Rodrigues e Maria Nilma Lobo Melo, votou pela procedência parcial da ação fiscal, argumentando que a exigência do imposto, neste caso, deveria ser do ICMS-DIFAL, considerando que as mercadorias tributadas eram destinadas a uso e consumo da empresa, cuja atividade principal é a construção civil. De outro lado, os julgadores João Bittencourt da Silva, Edy Pinheiro de Oliveira e Rolando Geovanni de Farias, que votaram pela procedência integral do lançamento. Sendo a questão decida pelo voto de qualidade do presidente João Bittencourt da Silva.
Em sede recursal, o contribuinte repete os argumentos da impugnação inicial, com pequenas variações, já resumidas no relatório acima, mas que merecem algumas considerações antes de adentrarmos nas questões, que entendo fundamentais para o deslinde deste feito. Antes, porém, indefiro o pedido de realização de perícia ou diligência, por entender desnecessárias, ante as questões a seguir aduzidas.
Em relação a impossibilidade de cobrança do imposto pelo estado do destino, em razão de não ser contribuinte do imposto (empresa de construção civil), conforme Súmula 432 do STJ, entendo que essa questão não merece ser apreciada no momento, tendo em vista que a autuação decorreu da condição irregular (inscrição suspensa), em que se encontrava o contribuinte à época dos fatos.
Quanto a arguição de nulidade do lançamento, pela impossibilidade da cobrança do imposto em razão da suspensão da inscrição estadual (ausência de fato gerador), o recorrente argumenta que a suspensão de inscrição não é fato gerador do ICMS, no sentido material conforme previsto no art. 2º do RICMS. De fato, a suspensão não configura em si, hipótese de incidência ou de fato gerador, até porque, a suspensão de inscrição cadastral é penalidade, prevista no inciso V, do art. 159 da Lei nº 400/97:
Art. 159. Serão aplicadas às infrações da legislação do ICMS as seguintes penalidades, isolada ou cumulativamente:
(…)
V – suspensão ou cancelamento de inscrição cadastral.
Com efeito, a exigência não teve como fato gerador a suspensão da inscrição cadastral da recorrente, mas, a sua condição de suspensa que teve como efeito, a irregularidade da operação que praticou. Por essa situação irregular, a fiscalização considerou as notas de aquisições como documentos inidôneos, impondo ao contribuinte, não só a cobrança do imposto, como também a penalidade de 100%, agravada em 50%, conforme acima relatado.
Devo antecipar, porém, que tanto a motivação do lançamento (notas fiscais inidôneas) como a multa agravada de 50%, me parecem impróprias para o caso. Mas, este assunto será tratado mais adiante.
No tocante a alegação de impossibilidade da cobrança do imposto, em razão da empresa estar ao abrigo do Convênio 52/92, que trata da isenção do ICMS nas remessas de mercadorias para ALCMS, devo dizer que, razão não assiste ao recorrente, posto que o benefício da isenção do ICMS, previsto no Convênio 52/92, somente se aplica ao remetente da mercadoria localizado fora da ALCMS, e não ao recebedor da mercadoria, conforme dispõe a Cláusula Primeira do Convênio ICM 65/88, matriz do Convênio ICMS 52/92:
“Cláusula 1 – Ficam isentas do imposto as saídas dos produtos industrializados de origem nacional para comercialização ou industrialização na Zona Franca de Manaus, desde que o estabelecimento destinatário tenha domicílio no Município de Manaus.” (Grifei)
Portanto, a isenção é concedida pelo Estado de origem da mercadoria, pois é este (o Estado de origem) que renuncia o seu imposto, que seria devido pelo emitente da nota fiscal ali localizado. Sem olvidar que, os produtos devem ser destinados à comercialização ou industrialização na ALCMS. Nesse contexto, considerando que a recorrente não é a remetente das mercadorias, e sim a adquirente, não pode ser beneficiada com a isenção do ICMS prevista no Convênio ICMS 52/92.
Por fim, a recorrente se rebela contra, o que chama de “abusividade da penalidade aplicada”, arguindo que a aplicação da multa de 150% (100%, mais 50% por reincidência) é exorbitante e desproporcional, inclusive citando decisão do STF que trata de caso de multa considerada confiscatória (ADIN 551-1/RJ). Neste item, entendo que merece acolhida a reclamação do contribuinte, não exatamente pelas razões que alega, mas, por outros fundamentos que passo a expor, juntamente com a análise da motivação jurídica do lançamento, ora em julgamento.
Conforme exposto, na época dos fatos o contribuinte encontrava-se com sua inscrição cadastral suspensa, o que lhe colocou em condição irregular perante à SEFAZ/AP. Nessa condição, o contribuinte estava “impedido” de utilizar sua inscrição estadual, cujos efeitos estão previstos no § 1º do art. 179 do RICMS. Por essa razão, a fiscalização entendeu, ao meu sentir, equivocadamente, que as notas fiscais, emitidas por empresas fornecedoras das mercadorias, localizadas em outras unidades da federação, eram inidôneas. Ora, quem emitiu as notas fiscais não foi a recorrente, e sim, outras empresas cuja a regularidade ou irregularidade fiscal, não foi citada pela fiscalização, presumindo-se que tais empresas estavam legais perante o Fisco dos seus respectivos Estados. Ou seja, até prova em contrário, as empresas emitentes estavam legalmente aptas a emitir notas fiscais, e, por isso, não poderia a fiscalização amapaense considerar as respectivas notas fiscais como inidôneas, na forma do disposto no inciso III, do § 1º, do art. 179, do RICMS-AP, que dispõe:
§ 1º – Será considerado inidôneo, para todos os efeitos fiscais, fazendo prova apenas em favor do Fisco, o documento que:
(…)
III – não observar as exigências ou requisitos previstos neste Regulamento. (Grifei).
Em outro giro, para considerar uma nota fiscal inidônea, nos termos do dispositivo acima citado, é preciso que a fiscalização aponte, com clareza e precisão, qual requisito ou exigência do RICMS não foi observado no documento fiscal, fato que não consta nos autos.
Ademais, o § 2º do art. 179 reforça esse entendimento:
§ 2º – Desde que as demais indicações do documento estejam corretas e possibilitem identificar a natureza, discriminação, procedência e destino da operação ou prestação, não se aplica o disposto no parágrafo anterior, independentemente da aplicação de penalidade acessória, nas seguintes hipóteses:
I – omissão ou erro do número de inscrição do destinatário;
II – erro na sigla das unidades federadas envolvidas;
III – omissão da data de saída, desde que conste a data de emissão;
IV – vencimento do prazo fixado para o trânsito da mercadoria antes de sua entrada no território do Estado do Amapá.
Dessa forma, entendo que a fiscalização não poderia considerar inidôneas as notas fiscais citadas no libelo fiscal (fls. 06/07), seja por não ficar caracterizada violação ao inciso III, do § 1º do art. 179 do RICMS, seja porque as mesmas não foram emitidas por empresas irregulares perante o Fisco.
Por outro lado, considerando que a recorrente estava em situação irregular quando adquiriu as mercadorias, nada obsta à Fazenda de exigir o tributo devido pelas operações que a mesma realizou, aplicando, inclusive, a penalidade cabível. Entendo também que, neste caso, o Fisco poderia arbitrar o imposto, observando, porém, os parâmetros e limites da lei. Assim, no caso em análise, considerando que a recorrente tem por atividade principal a construção civil, e que as mercadorias eram para uso ou consumo da empresa, concordo com as ponderações do Relator de primeira instância, ao concluir pela cobrança do diferencial de alíquota, por ser essa modalidade de cobrança, a mais adequada a situação que se apresenta.
No entanto, não posso concordar com a manutenção da penalidade capitulada pela fiscalização, posto que destinada às situações de mercadorias desacompanhadas de nota fiscal ou com documento fiscal inidôneo, conforme se verifica:
Art. 161.
(…)
VIII – Entregar, remeter, transportar, receber, estocar ou depositar mercadoria desacompanhada de documentação fiscal ou com documento fiscal inidôneo:
Multa – 100 % (cem por cento) do valor do imposto aplicável ao contribuinte que tenha promovido a entrega, remessa, recebimento, estocagem ou depósito da mercadoria; 50 % (cinquenta por cento) do valor do imposto apurado ao transportador, quando o transporte for realizado por terceiro. (alterada pela Lei nº 0775, de 30.09.2003)
Pois bem. Se não é caso de mercadoria sem nota fiscal ou com nota inidônea, qual a infringência e penalidade aplicável ao caso? Na verdade, em minuciosa pesquisa na legislação tributária do Estado, especialmente no art. 161 da Lei 400/97, que trata das penalidades relativas as infrações de contribuintes do ICMS, não vislumbrei nenhum dispositivo específico aos fatos aqui narrados. Dessa forma, penso que a multa mais adequada, a ser aplicada na hipótese, seria a prevista no inciso XXXIX, alínea “b” do art. 161, da Lei nº 400/97:
XXXIX – Quando ocorrer qualquer hipótese de infração diversa das previstas nesta lei, que importe descumprimento de obrigação tributária principal, a Multa a ser aplicada será: (alterado pela Lei nº 0493, de 21.12.1999)
a) 50 % (cinquenta por cento) sobre o valor do imposto, não tendo havido dolo;
b) 100 % (cem por cento) sobre o valor do imposto, quando se constatar qualquer ação ou omissão dolosa.
Quanto ao agravamento da multa pela reincidência, verifico que a fiscalização aplicou multa de 50%, prevista no § 5º do art. 161, da Lei nº 400/97, que dispõe:
Art. 161. (…)
(…)
§ 5º Em caso de reincidência específica, a multa será aumentada em 50% (cinquenta por cento) do seu valor, considerando-se reincidência específica a repetição da infração capitulada no mesmo dispositivo legal, pela mesma pessoa, dentro de 2 (dois) anos contados da data em que a imposição da multa anterior tornou-se definitiva, no âmbito administrativo, desde que não tenha havido impugnação do lançamento perante o judiciário. (Grifei).
Também neste item, não vejo como manter a multa agravada por reincidência, por ausência dos requisitos fáticos motivadores dessa penalidade, previstos no bojo do próprio dispositivo legal acima citado. Senão, vejamos: conforme a melhor leitura do § 5º do art. 161, para imposição do agravamento da multa em 50% por reincidência, necessário que fique demonstrado nos autos que, o contribuinte cometeu a mesma infração dentro do período de 2 anos, contados da data em que a multa se tornou definitiva no âmbito administrativo. Equivale dizer que, não basta ter cometido a mesma infração no período de 2 anos; é necessário que a autoridade fiscal demonstre ou prove, que o contribuinte foi penalizado anteriormente, pela mesma infração, e que esta já tenha se tornado definitiva administrativamente.
Na hipótese, não consta nos autos qualquer indicação de auto de infração ou processo administrativo relativo à aplicação da mesma penalidade, e que esta já tenha se tornado definitivamente constituída. Por essa razão, afasto a imposição da multa agravada por reincidência, por não existir motivação jurídica para sua aplicação.
Devo alertar, porém, que os erros formais aqui apontados, podem implicar em mudança do critério jurídico do lançamento, tendo em vista que, não se trata de erro apenas na tipificação do fundamento legal, mas, na própria apuração do imposto devido, o que pode caracterizar, também, em erro material, uma vez que, no caso, caberia a cobrança do ICMS-DIFAL, e respectiva multa, sem o agravamento por reincidência. Contudo, para seguir a jurisprudência deste tribunal, rendo-me às decisões já sedimentadas, e considerar que o lançamento deve ser anulado por erro formal.
VOTO
Diante do exposto, e por tudo que nos autos consta, voto pelo conhecimento do recurso voluntário, para, no mérito, dar-lhe provimento parcial, no tocante à multa agravada de 50%. Impõe-se, porém, a reforma da Decisão nº 055/2017-JUPAF para declarar nulo lançamento (A.I. 503/2014) por vício formal, podendo a Fazenda Estadual perseguir novo lançamento com a capitulação adequada aos fatos ocorridos (art. 173, II, da Lei nº 5.172/66 – CTN). Ressalvando que, no eventual novo lançamento, seja exigida a cobrança do ICMS-DIFAL e multa prevista no XXXIX, alínea “b” do art. 161, da Lei nº 400/97, excluindo, porém, o agravamento da multa por reincidência, por ser incabível à hipótese.
É o voto que expresso a Egrégia Corte do Conselho de Recursos Fiscais.
Sala de seções do Conselho Estadual de Recursos Fiscais em 23/03/2018.