Trata-se de Recurso Voluntário, nos termos do art. 205, da Lei n° 400/1997, em face da Decisão nº 333/2014-JUPAF (fls. 23/25) proferida por aquele órgão julgador de primeira instância, que julgou ação fiscal procedente, em razão da intempestividade da impugnação, nos termos do voto do relator.
O crédito tributário, sob análise, foi constituído através da lavratura da Notificação de Lançamento (NL) de n.º 2012000089 (fl. 02), no valor total de R$ 36.395,31 (trinta e seis mil trezentos e noventa e cinco reais e trinta e um centavos), abrangendo o período de dezembro de 2010 a setembro de 2011. A infração foi tipificada no item ( A ) ICMS lançado e não recolhido – art. 44, combinado com o artigo 161, inciso I, alínea “a” da Lei n.º 0400/97, sob o código de receita 1825 (diferencial de alíquota).
O Lançamento foi formalizado pela Coordenadoria de Arrecadação – COARE, pelo Fiscal da Receita Estadual Sr. Inácio Flávio dos S. Barroso e a ciência do contribuinte deu-se por Aviso de Recebimento-AR datado de 16/02/2012, segundo afirma o relator da Decisão JUPAF (fls. 24).
Importa destacar que, o contribuinte se restringiu a apresentar como impugnação apenas uma cópia da sentença judicial (fls. 8/13) transitada em julgado, referente ao proc. n.º 0003256-70.2012.8.03.0001 (Ação Declaratória de Inexistência da Relação Jurídico-Tributária) da 5ª VARA CÍVIL E DE FAZENDA PÚBLICA DE MACAPÁ, cuja conclusão foi a seguinte:
Ante o exposto, portanto:
a) julgo procedente o pedido declaratório para o fim de assentar que a empresa autora não está sujeita à tributação por ICMS nas operações em que adquire mercadorias à execução de obras de construção civil, nos termos do verbete 432 da súmula do STJ, resolvendo, neste ponto, o mérito da lide, nos termos do art. 269, I, do CPC;
b) extingo o processo sem resolução do mérito em relação ao pedido condenatório, por reconhecer-lhe a impossibilidade jurídica, nos termos do art. 267, VI, do CPC.
Em análise do processo, o ilustre Relator “a quo” entendendo que a impugnação era intempestiva, decidiu pela procedência do lançamento sem apreciação do mérito.
Convém ressaltar que a NL nº 2012000089 não menciona as notas fiscais que deram origem aos débitos ali relacionados, e nem a JUPAF diligenciou no sentido de fazer juntar as mesmas, como medida saneadora dos autos.
O contribuinte foi notificado da Decisão da JUPAF através de Aviso de Recebimento – A. R., em 25/02/2015 (fl. 28) e, em 26/03/2015, apresentou recurso a este E. Conselho, anexando novamente a íntegra da decisão judicial, que lhe favoreceu, acrescentando:
“…com base na sentença judicial 5ª Vara Cívil e de Fazenda Pública, processo n.º 0003256-70.2012.8.03.0001 ao qual determina que não sendo a empresa de construção civil contribuinte do ICMS, como em verdade não o é, a venda feita a ela está sujeita a alíquota interna, assim determinando que o Estado do Amapá, se abstenha de efetuar lançamento de cobrança de ICMS gerado pela aquisição de mercadorias que agregara as obras que executara, ainda que adquiridos em unidades federativas diversas.”
Cita ainda, a seu favor, a conclusão exposta na Informação Fiscal nº 461/2013/COFIS (fls. 42/45).
Os autos foram remetidos à Procuradoria (PTRI/PGE) que, em vista do valor do crédito tributário não ultrapassar ao limite de 30 mil UPF/AP na data do lançamento, com fulcro no inciso I do artigo 10 do Regimento Interno do CERF, devolveu o processo sem manifestação expressa, reservando-se, porém, para se manifestar em sessão de julgamento.
Retornam os autos a este Conselho Estadual de Recursos Fiscais, para reexame do caso, nesta instância superior.
É o que importa relatar.
PARECER E VOTO
O processo teve a sua tramitação normal. O Contribuinte gozou do mais amplo direito do contraditório. O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.
Trata-se de Recurso Voluntário com respaldado no artigo 205 da Lei n.º 0400/97-CTE-AP, contra Decisão nº 333/2014-JUPAF que decidiu pela procedência do lançamento, face a intempestividade da impugnação.
A NL nº 2012000089 (fl. 02) informa o código de receita 1825, indicando que a cobrança se refere ao ICMS – diferencial de alíquota. No mesmo documento aponta como infringência o item ( A ) ICMS lançado e não recolhido – art. 44, combinado com o artigo 161, inciso I, alínea “a” da Lei n.º 0400/97. Com essas informações, de pronto, percebe-se a imprestabilidade do lançamento, em razão do evidente e inequívoco erro formal, caracterizado pela indicação equivocada do dispositivo legal a embasar a exigência fiscal, conforme reiteradas decisões deste tribunal administrativo.
No entanto, analisando mais detidamente os autos, verifico a necessidade de apreciar outros fatos e elementos que implicam na improcedência definitiva do lançamento, afastando, ao meu sentir, inclusive, a possibilidade da Fazenda efetuar novo lançamento.
Pois bem. Conforme citei no relatório, não constam nos autos as respectivas notas fiscais que deram origem ao lançamento, documentos estes imprescindíveis para se constatar a ocorrência (ou não) do fato gerador da exigência. Não há como saber se as mercadorias ou bens adquiridos foram destinadas ao ativo ou eram insumos para utilização em obras.
É bem verdade que, existe um relatório emitido pelo Núcleo de Gestão de Receitas e Informações Tributárias, órgão interno da SEFAZ (fls. 17/18), onde estão relacionadas todas as notas fiscais destinadas ao contribuinte abrangendo o período de 2009 a maio de 2013. Naquele documento, é até possível identificar o número das notas fiscais que, presumidamente, deram origem ao lançamento em questão. Digo presumidamente porque, na NL n.º 2012000089, que é instrumento legal para formalizar a exigência fiscal, deveria constar, pelo menos, a indicação dos documentos que deram origem ao lançamento, ou seja, a prova da ocorrência do fato gerador.
Não é demais dizer que, para que nasça a exigência do imposto é necessário que ocorra o fato gerador “in concreto”, sendo a nota fiscal (ou outro documento equivalente, previsto em lei), a prova, por excelência, da sua ocorrência. Ademais, é da nota fiscal que se extrai todos os elementos necessários para o lançamento, tais como: a identificação da operação, o produto tributável (ou não), a base de cálculo e a alíquota aplicável. Sem esses elementos, é temeroso afirmar que o lançamento está corretamente constituído.
Portanto, em que pese o relatório do Núcleo de Gestão de Receitas e Informações Tributárias, não vejo como superar as falhas acima apontadas. Aliás, considero oportuno, trazer à baila trecho da decisão proferida pelo eminente Conselheiro Ademar Caetano da Silva Junior, nos autos do processo 28730.0116702013-8, recurso de ofício Nº 038/2018:
“Devemos, neste sentido, realizar uma análise quanto a materialidade dos lançamentos, já que, através do relatório apresentado em diligência não é possível a observação dos itens da nota bem como da tributação aplicada na origem, além de outras informações indispensáveis contidas na nota fiscal e não presentes no relatório, que torna obscura a determinação de base de cálculo para a cobrança de tributo.
Cabe, no meu entendimento, uma análise sobre a Regra Matriz de Incidência Tributária que é norma balizadora da relação jurídico tributária entre fisco e contribuinte. Tal norma está presente em diversas discussões doutrinárias e principalmente em decisões em todas as esferas judiciais, e aqui, podemos citar a Ementa da Súmula Vinculante 19, na qual, apesar de tratar de taxa, o eminente Ministro Joaquim Barbosa coloca em seu cerne um argumento aplicável a qualquer espécie de tributo, e que entendo resolver o imbróglio em discussão de maneira eficiente:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA. SERVIÇOS PÚBLICOS. COLETA E REMOÇÃO DE LIXO. CARACTERIZAÇÃO DA ABRANGÊNCIA DO SERVIÇO COMO INESPECÍFICO E INDIVISÍVEL. NECESSIDADE DO EXAME DA RESPECTIVA BASE DE CÁLCULO. RAZÕES DE AGRAVO REGIMENTAL INSUFICIENTES. QUESTÃO DE FUNDO. SÚMULA VINCULANTE 19.
O exame da possibilidade de o serviço público ser destacado em unidades autônomas e individualizáveis de fruição não se esgota com o estudo da hipótese de incidência aparente do tributo. É necessário analisar a base de cálculo da exação, que tem por uma de suas funções confirmar, afirmar ou infirmar o critério material da regra-matriz de incidência. As razões de agravo regimental, contudo, não indicam com precisão como a mensuração do tributo acaba por desviar-se da prestação individualizada dos serviços de coleta e remoção de lixo.(g.n.)
Tratamos aqui dos critérios de hipótese de incidência contidos na Regra Matriz de Incidência Tributária, que são o Critério material (como), Critério espacial (onde) e Critério temporal (quando). No nosso caso, a discussão restringe-se ao Critério material que embasa a exação questionada, e este pode fundamentar, ou não, o refazimento do lançamento.
Vemos dessa forma, que a determinação correta da base de cálculo para incidência de um tributo é fundamento indispensável para sua correta cobrança. E, diante do exposto anteriormente em relação às consultas realizadas sobre os documentos 00IF127698, 000IF11676, 0000IF1936, igpal11694, igdia37330, igdia36976, 0000IF2767 e 000IF12659, temos como fortemente prejudicado o refazimento dos lançamentos caso aplicada a Decisão 157/2015 – JUPAF em razão da não apresentação das Notas Fiscais.”
Nessa linha, resta evidente que bastaria essa falha para decretar a imprestabilidade do lançamento, não mais por erro formal, e sim por inexistência de provas da materialidade dos fatos geradores, conforme muito bem explanou o Conselheiro Ademar Caetano.
Contudo, existe nos autos notícia de que a Recorrente ajuizou Ação Declaratória de Inexistência da Relação Jurídico-Tributária, que tramitou na 5ª Vara Cívil e de Fazenda Pública, cujo registros no site Tucujuris (TJAP), informam que a ação foi impetrada em 31/01/2012 e transitou julgado 01/04/2013, conforme segue:
#1 em: 31/01/2012 08:51h prazo: 31/01/2012
Distribuído por sorteio
DISTRIBUIÇÃO ALEATÓRIA À(AO) 5ª VARA CÍVEL E DE FAZENDA PÚBLICA – MCP
(……….)
#39 em: 04/04/2013 12:22h prazo: 04/04/2013
Transitado em Julgado em 01/04/2013
Certifico que a sentença de f. 171-177 transitou em julgado em 01/04/2013.
Tomando-se por base a data do ajuizamento da ação judicial, resta claro que o contribuinte estaria contestando, judicialmente, todos os fatos geradores ocorridos anteriormente a 2012, abrangendo, portanto, o período de 12/2010 a 09/2011, indicado no lançamento em questão.
É cediço que a propositura, pelo contribuinte, de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico Tributária, prejudica o exame da matéria na esfera administrativa, porque implica em renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso de qualquer espécie interposto. Por outro lado, deve-se registrar que, a decisão judicial transitada em julgado, prevalece sobre a decisão administrativa.
No caso presente, embora não se conheça o conteúdo das notas fiscais que deram origem ao lançamento, podemos afirmar que a decisão judicial alcança o período dos fatos geradores indicados no lançamento. Neste contexto, se existe decisão judicial final proferida em 2013, com êxito em favor do contribuinte, entendo que os débitos indicados no lançamento referentes aos anos de 2010 e 2011, estão abrangidos pela decisão judicial, impondo-se esta, sobre qualquer outra decisão administrativa.
VOTO
Diante do exposto, e por tudo que dos autos consta, voto pelo conhecimento do recurso voluntário, para, no mérito, dar-lhe provimento, reformando a Decisão nº 333/2014-JUPAF, para decretar a improcedência da Notificação de Lançamento nº 2012000089, em razão de decisão judicial transitada em julgado.
É o voto que expresso a Egrégia Corte do Conselho de Recursos Fiscais.
Sala de seções do Conselho Estadual de Recursos Fiscais em 18/06/2019.
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